quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Dias e Noites’♪ Dahri'

Acordei essa manhã e ao chegar ao trabalho e ver a data de hoje no calendário, lembrei de uma data importante, porém muito dolorida para mim, e com toda a certeza, para meus pais. 13 de Janeiro. Hoje meu irmão Dahri que nasceu em 1995, prematuro (sete meses e meio de gestação), nascia em Porto Alegre. Era um bebê com mais ou menos 500 gramas. Cabia na palma da mão do meu pai, pequenininho. Dahri durante os seis meses e 17 dias que sobreviveu, lutou muito para viver, mas suas três infecções hospitalares e outras complicações que contraiu o venceram. Lembro-me pouquíssimo dele, infelizmente. E isso é um dos motivos que mais me doem. Foram pouco mais de seis meses, e em casa, em Canela, ele esteve apenas quatro dias. O que era para ser uma adaptação, uma tentativa de melhora, de uma semana, foi interrompido devido a uma complicação no pulmão. Frio de repente, afinal esses quatros dias que ele passou em casa foram em Junho, época de frio intenso na Serra Gaúcha. Lembro das visitas em nossa casa o visitando, lembro-me de acompanhar minha mãe e meu pai nas sessões de fisioterapia infantil que levávamos o Dahri. A fisioterapeuta esticava os bracinhos e perninhas dele, fazia massagem na barriga dele e ele, como podia, entre aqueles caninhos que entravam e saía pelo nariz dele, afinal ele vivia entubado, sorria. Um sorriso sincero e de quem estava feliz, apesar dos pesares, de estar vivo e conseguindo sobreviver. Lembro-me visivelmente dele, deitado sobre a maca, de tip-top azul quietinho esperando a fisioterapeuta começar a movimentá-lo ajudando-o a fazer exercícios enquanto conversava com ele. Outra cena, da qual me lembro, foi em uma manhã fria, como todas as manhãs em que meu maninho estava em casa, eu acordava e ia correndo para o quarto dos meus pais darem bom dia a eles e ao pequeno Dahri. E foi numa dessas manhãs, que lembro de entrar no quarto, e meus pais estarem ajudando-o a tomar seu “mamá” que vi o Dahri se afogar por causa do refluxo. Logo passou. Foi só um susto, mas o pulmão dele já dava indícios de que estava fraquinho e que ele precisava voltar para o hospital. Foram longos e difíceis seis meses em que lembro-me que minha mãe ficou hospitalizada, na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) devido a sua pressão alta (24/8) que gerou uma pré-eclâmpsia* em que os médicos não sabiam se minha mãe ou se meu irmão se salvariam, ou se, nenhum deles se salvariam. Mas minha mãe, pela vontade de viver e apoiar o meu irmãozinho a fazer o mesmo, sobreviver, consegui sair da UTI e ganhar alta, para poder ir pra casa e acompanhar os outros filhos. Além disso, trabalhar para poder, um dia sim, um dia não ir de ônibus a Porto Alegre visitar meu irmão no hospital e acompanhar o seu crescimento. Algumas vezes meu pai foi com minha mãe e mais algumas outras eu e meus dois irmãos mais velhos acompanhamos meus pais ao hospital. Lembro (as fotos me ajudam a lembrar mais nitidamente de alguns flashes) que ao chegar próximo à maternidade onde ele estava todos colocávamos uma roupa rosa de medico, proteção para os calçados e cabelos, lavávamos a mão e algumas vezes, ate mascara usávamos. Tudo isso para poder chegar perto do Dahri, pegá-lo no colo... Estar em família.
Numa dessas vezes em que apenas meus pais foram para Porto Alegre, eu fiquei em casa com meus irmãos. E mais ou menos, ao fim da tarde, eu esperava, junto do meu irmão mais velho, meus pais chegarem. E numa dessas vezes, vi minha mãe e meu pai, sorrindo para mim na esquina. Corri para abraçá-los. E pela primeira vez, depois que o Dahri nasceu, eu ganhei um presente, um Pica-Pau de mais ou menos 50 cm. Lembro-me que fiquei muito feliz, pois meus pais disseram que quem tinha me mandado o Pica-Pau tinha sido o Dahri.
Alias, ainda não contei o significado do nome Dahri né?! Na verdade, se esse nome tem algum significado comprovado em livros ou por pesquisadores... Essas pessoas que fazem esses livros com nomes de bebê, eu sinceramente não sei. Já procurei, mas nunca encontrei. E por essa curiosidade de saber de onde meus pais tinham tirado esse nome para dar ao bebê e por nunca achar, resolvi questionar minha mãe alguns anos depois, quando eu tinha uns 16 ou 17 anos, quem tinha dado esse nome para o bebê. Espantada minha mãe perguntou se eu não lembrava porque o Dahri tinha recebido esse nome. Infelizmente, realmente eu não lembrava. Eram (e são) poucas as coisas das quais eu me lembro, pois na época eu tinha apenas três anos. Então minha mãe me contou que uma noite, na primeira casa onde morei, na sala, como todas as noites eu estava sentada no chão, com meus lápis-de-cor, giz-de-cêra e papeis na mesinha de centro, desenhando, de frente para a televisão. Meus irmãos estavam sentados no sofá da sala fazendo seus deveres e meu pai sentado na poltrona dele olhando TV, quando minha mãe sentou ao lado dele e disse: “precisamos escolher um nome para o bebê”. E na mesma hora, sem virar para trás, ainda de cabeça baixa e desenhando, eu disse “Dahri”. Meus pais ouviram e me questionaram sobre o que eu estava falando e, segundo eles, eu me virei e falei: “Esse bebê já tem nome e o nome dele é Dahri”. E voltei a desenhar. Minha mãe disse que ninguém mais, depois do que eu falei opinou. E esse foi o nome que o bebê recebeu quando nasceu. Dahri.
Mas, voltando à história, minha mãe, indo um dia sim, um dia não para Porto Alegre para ver o Dahri, no dia 30 de Julho de 1995, em um Domingo, minha mãe passou o dia com ele. Disse que fez os exercícios nele como a fisioterapeuta fez, cuidou dele, e disse que ele sorria bastante. Que ele estava bem. E como toda vez que ela voltava, a hora de dar tchau pra ele e saber que ainda não podia levá-lo pra casa, era sempre dolorosa. Na segunda-feira (31), minha mãe passou o dia cuidando de mim e trabalhando. No outro dia comprou sua passagem e cedinho foi para Porto Alegre. Não me lembro muito bem se ela voltou, mas o que eu lembro é que meu pai, que estava trabalhando em sua oficina em Gramado, foi até em nossa casa, em Canela, próximo à rodoviária, para pegar uma roupinha do Dahri e ir para Porto Alegre para ele e minha mãe encaminharem os papeis para a liberação do corpo do Dahri. Ele tinha falecido. Meu irmãozinho tinha partido mais uma vez. E dessa vez... Para sempre. Lembro do meu pai saindo com um casaquinho de lã amarelinho entrando no fusca da minha mãe. É essa a imagem que tenho em minha cabeça quando lembro de como recebi a noticia. Pequena eu ainda não assimilava muito as coisas. Minha mãe, tadinha, passou o domingo com meu irmão, voltou pra casa, passou a segunda-feira trabalhando, e quando retornou à Porto Alegre na terça-feira, ficou sabendo que meu irmão havia falecido domingo a noite, algum tempo depois que ela tinha ido embora. Passaram um dia todo se despedindo e foi bom para os dois, pois segundo minha mãe, meu irmãozinho estava feliz, apesar das dificuldades. Depois de tudo isso, o que eu lembro é de muitas pessoas, muitas, todas reunidas na Capela Municipal de Canela. Lembro que eu andava por entre as pessoas e até sorria para algumas, conversava com minha tia, primos e dindos... Até fiz alguns sorrirem, mas hoje, quando lembro deles sorrindo, vejo que era um sorriso triste. Eu, é claro, não chorei (pelo menos não lembro de ter chorado), pois eu era muito pequena e não assimilava as coisas. Não lembro do enterro, mas lembro dos últimos momentos na capelinha. Minha mãe que estava sentada ao lado daquele pequeno caixão branco pegou o meu irmãozinho que (para mim) “dormia” dentro do caixão, no colo, com aquele casaquinho de lã amarelo, enrolado num cobertor amarelo. Minha mãe abriu o cobertor para que pudesse esticar as perninhas e pezinhos dele. Lembro da minha mãe chorando e eu ao lado dela passando a mão no ombro dela sem entender ao certo o porquê ela chorava. Eu sabia que meu irmão tinha morrido, mas eu não tinha noção do que era isso. A noite, meus pais inconsoláveis após o enterro, lembro que minha irmã mais velha por parte de pai, a Margarete, foi com o marido e minha sobrinha Taís para nossa casa. Ela fez uma sopa para todos nós. Afinal de contas, acho, meus pais estavam sem comer. E ela colocou a pata de uma galinha dentro da sopa. Eu nunca tinha visto e ainda comentei algo mais ou menos como “o bracinho do Dahri”. Sei lá o que se passava na minha cabeça. Lembro que eu brincava a noite, nessa mesma noite, com meus lápis (provavelmente) e espalhei-os pelo chão da cozinha e todos pediam inclusive minha irmã que (pelo que eu lembro) estava com um abrigo cor de vinho, para que eu os tirasse do chão, pois alguém podia cair. São detalhes que fazem parte daquele dia, daquela época.
Passou uma época, e todos os anos essa data era marcada. O nascimento do Dahri e sua morte. Minha mãe passou dois anos após o nascimento do Dahri com a pressão alta. Outros problemas, tipo complicações na audição, surgiram para minha mãe. As coisas foram difíceis. Mas hoje, depois de entender e ter noção das coisas, acredito que desde os meus 12 anos, quando passei a entender mais o que aconteceu, a questionar mais sobre tudo que aconteceu, é que eu passei realmente ter noção da perda. Eu já sentia antes, desde que aconteceu, mas sem saber. Mas eu sinto, juro pode ser que alguém que venha a ler isso não acredite, mas eu sinto a presença do Dahri. Sei que ele está comigo onde eu estiver, e sei que ele me protege. Sempre soube disso. Só passei a ter mais certeza depois que um dia uma mulher que entende desses assuntos espirituais, dos EUA, eu contando essa historia toda pra ela (claro que sem tantos detalhes) me falou o porquê eu dei esse nome “Dahri” ao meu irmão e porque eu sentia tanta falta dele mesmo tendo convivido tão pouco com ele. A verdade é que, segundo ela, eu convivi muito com o Dahri. Que eu já o conhecia há muitos anos. Segundo ela, quando minha mãe falou para meu pai que eles deviam escolher um nome para o bebê e eu disse que o nome dele era Dahri, eu realmente tinha certeza disso por já conhecê-lo de outra (suposta) vida. Além disso, essa mulher me disse que infelizmente, essa vez meu irmão morreu e não reencarnaria mais, pois ele tinha vindo a Terra pra cumprir uma missão que, em outra vida, ele não tinha cumprido. O que me faz pensar, se eu e ele estivemos juntos em outra vida e nos encontramos nessa, ele veio depois de mim e partiu antes de mim, pois já tinha cumprido sua missão, pode significar que eu ainda estou aqui para cumprir a minha. É uma lógica, mas pode ser que isso tudo não seja verdade. Mas eu prefiro acreditar que é.
Não tenho a certeza de que se ele ainda estivesse vivo, hoje completando 16 anos, se nos faríamos bem. Mas acredito que sim. Afinal de contas, ele seria meu único irmão mesmo, irmão de sangue. Afinal de contas, os irmãos que tenho, sem desmerecê-los, são meio irmãos apenas. A Margarete, Janete, Elizete, Elizabete e Pablo, são filhos do primeiro casamento do meu pai. O Cláudio Fernando e o Luiz Heleno são filhos do primeiro casamento da minha mãe. Eu sou a única filha do segundo casamento dos meus pais. O Dahri era a sequência. Seríamos nós dois e eles. Assim, fisicamente, sou apenas eu e ninguém para discutir, para disputar comigo, ninguém para ser meu cúmplice, ninguém pra eu amar e me amar, ninguém pra eu defender e me defender, ninguém para eu brincar, ninguém, ninguém. E é isso tudo que me faz uma falta, ainda mais sabendo que eu não tenho uma família de verdade. Com pais separados, você não tem família de verdade e nem um irmão com quem dividir o peso. Sou eu e meras lembranças do Dahri apenas.
Mas hoje, ao meio-dia, quando eu estava indo pra casa, em um jardim um beija-flor para a minha frente em um galho e ficou me “encarando” juro. Tenho foto pra comprovar. Piou, piou, piou, chamou minha atenção, deixou-se fotografar e me olhando uma última vez bateu asas e voou. Pode não ser, mas meu irmão veio me consolar no dia em que estaria fazendo 16 anos em forma de beija-flor. Quem ganhou o presente fui eu. E, depois de muito chorar escrevendo toda essa história para você que está terminando de ler isso, concluo essa história com a certeza de que nunca estarei só e que um dia poderei realmente abraçar meu irmão independente do estado físico (ou abstrato) em que viemos a nos encontrar futuramente. E a ele, ao Dahri dedico a música Dias e Noites’ ♪

Que amor é esse tão grande assim
Amor de anjo que existe em mim
Se você sai, basta estar longe
Tudo é deserto, é triste sim
Que amor é esse que a gente sente
Não tem maior, não, é diferente
Dias e noites, mesma paixão
Só sei te amar, sempre, sou seu irmão ♫

Dentro da alma eu sinto o mesmo
Nem mais, nem menos, amo você
A gente briga, sou sua fã
Sem ressentimentos, sou sua irmã ♪

É por aí, girl, pra machucar, não
Sem reclamar, baby, sou sua irmã
Dias e noites, mesma paixão
Só sei te amar, sempre
Somos irmãos ♪

Que amor é esse tão incrível
Que a natureza faz tão simples
Você sai, basta estar longe
Que dói demais ♫

Dias e noites, mesma paixão
A mesma história, somos irmãos
É bom demais, poder cantar então
Dias e noites, é bom viver
Assim será sempre, eu e você! ♪

Feliz Aniversário maninho seja onde você estiver! Te Amo!

*Pré-eclâmpsia: matéria sobre o assunto. http://migre.me/3CqTn

PS: Amanhã coloco uma (das poucas) foto(s) do Dahri aqui.

2 comentários: